segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Papel químico

Como o Pedro bem explicou no seu artigo, não só os portugueses foram às urnas este Domingo. Na realidade, as atenções da Europa estiveram mais viradas para outro sufrágio – o que aconteceu no velho motor da Europa, a Alemanha. A análise feita no artigo “As outras eleições” e a consciência dos resultados das legislativas em Portugal levam-me a crer que a conjuntura internacional, com maior relevo para a crise mundial que atravessamos, serviu de papel químico para as duas eleições. Senão vejamos.

Merkel, a já chanceler alemã, saiu vitoriosa. Sócrates, o já primeiro-ministro português, também. 33,8% para o CDU, 36,5% para o PS. Merkel alcança os seus dois objectivos e formará coligação com o FDP, o que permite descalçar a bota do SPD, já Sócrates ponderará, eventualmente, uma coligação ou poderá manter-se “orgulhosamente só”, numa política de zig-zag e constantes conversações e alianças como sugeria ontem um comentador. Em ambos os casos, como é visível, quem venceu, foi o status quo, que, aliás, Obama e Sarkozy felicitaram, dado o pragmatismo centrista da chanceler.

Contudo, os dois partidos que mantiveram a maioria relativa, fizeram-no com uma descida. De 2005 para 2009, a CDU baixou quase um ponto e meio percentual, enquanto que o PS teve que aguentar com uma descida na ronda dos 8,5%. Ambos desceram. Mas não foram os únicos: com eles, baixaram também, grosso modo, os partidos maioritários da oposição, ou seja, o SPD e o PSD – com rigor, o partido social-democrata português não viu o número de eleitores diminuir, sentindo até um pequeno aumento de o,3%, o que não era expectável de um partido da oposição. Na mesma lógica de pensamento, o SPD sofreu uma queda de quase 10 pontos relativamente a 2005, o que aponta para um resultado desastroso do partido do ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros.

A questão que se coloca então é para onde se terão desviado os votos? Naturalmente, houve uma fuga dos chamados “votos de descontentamento” para partidos mais pequenos e emergentes. Mais uma vez, isto aconteceu em ambos os países, onde se nota uma confluência das curvas – os maioritários a descerem e os pequenos partidos a subirem na preferência do eleitorado. Die Linke passa de 8,7% para 11,9%; o BE aumenta de 6,4%, quase alcançando a fasquia dos 10%. O FDP, com quem Merkel pretende coligar, transformou os seus 9,8% para 14,6%; o CDS português ultrapassa os 10%, subindo 3,22 pontos percentuais face às últimas legislativas. Poderia ainda nomear os exemplos do PCP ou dos Die Grüne para esta listagem.

Assim, a par desta tendência de manutenção do status quo, que não se altera bruscamente, como é óbvio, tanto Portugal como a Alemanha vivem este movimento de emergência e consolidação de partidos mais pequenos, com uma maior tradição nesta última. E assim dois países se preparam para continuar a lutar contra a crise.

1 comentário:

  1. Cara Tânia, nossa correspondente em terras de África,

    Obrigado pelo comentário. Sim, eu concordo contigo. Há uma mobilização política. Foi notória nas eleições dos países. Não em termos de absentismo eleitoral, mas em termos de mudança. Já com Barack Obama, a temática da mudança e da fuga ao “status quo”, a que pelos vistos os americanos agora não estão a achar muita piada, foi recorrente e muito útil para a sua eleição. CDS, BE, PCP, FDP, Linke, Grüne,… São todos alternativas ao “Establishment”. E há efectivamente esse desvio. Porque, precisamente, quem estava mal, mudou-se. A questão que ainda me deixa dúvidas é por quanto tempo ter-se-ão mudado essas pessoas? Um pontual cartão amarelo a Sócrates e a Ferreira Leite? Ou um comportamento eleitoral que se manterá caso a crise comece a mostrar sinais de abrandamento e o “centrão” recupere a sua popularidade?
    Agora, o que também não podemos ignorar é que a manutenção de Merkel e Sócrates na liderança dos respectivos países possa, na realidade, significar e explicitar o contentamento da população com as medidas tomadas para enfrentar a crise. Aliás, Portugal praticamente não a sentiu, uma vez que estava em crise bastante antes desta internacional rebentar. O cinto não se remonta a 2007/2008, como sabemos. É essa a questão que quis trazer: a manutenção do status quo pela satisfação do eleitorado? Uma fuga para pequenos partidos pontual ou sistemática? Uma tentativa de alteração do “establishment” mas AINDA sem força necessária? A ver vamos, com o passar do tempo e com a evolução quer da crise, quer dos resultados eleitorais por essa Europa fora.

    (Só um apontamento para te felicitar pelo interessante artigo sobre tribalismo. Aguardamos mais publicações resultantes da tua experiência.)

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