terça-feira, 20 de outubro de 2009

Para onde vao as tribos?

Quando um dia tive a oportunidade de conhecer um queniano que exerce funcoes na politica, surgiu o interesse, no decorrer da conversa, em saber quais sao afinal as orientacoes politicas maioritarias entre os cidadaos deste pais. Com isto referia-me ao espectro que vai da esquerda para a direita (ou vice-versa) e aos seus respectivos clusters. Nao sendo suficiente, tive ainda que lhe mencionar "socialismo" e "capitalismo" para perceber exactamente do que estava a falar. Um comeco so por si denunciador.
E que num pais como o Quenia as preferencias do eleitorado sao definidas mais por uma certa solidariedade para com o lider em questao, uma ascendencia sagrada em comum, do que por uma ideologia concreta e o compromisso para mudancas radicais. Esta tradicao conservadora e por isso bem mais expressiva atraves de comportamentos e accoes do que por obras, textos e pensadores de referencia.
Claro que se podera identificar qual dos dois, Odinga e Kibaki, seguira versoes mais a esquerda ou a direita. No entanto, excluindo alguns intelectuais e academicos, aqueles que apoiam Raila Odinga nao sao os desafortunados do Quenia, mas antes os seus "compatriotas" etnicos, os Luo, independentemente da sua classe social.
De facto, o tribalismo e um fenomeno cumulatorio de atitudes especificas atraves de geracoes. E, como consequencia, e quase por definicao colectivista. Por isso, este conservadorismo tribal africano e um corpo pensante em continuo consenso, ligando o passado com o presente e o futuro.



Aproveitem para estar a par da minha lista negra http://listanoire.blogspot.com/

Pelo Médio Oriente...

O Afeganistão, o Paquistão e o Irão chamam a atenção da comunidade internacional para uma das zonas mais instáveis do mundo, por diferentes motivos.



No Afeganistão, a Comissão de Queixas Eleitorais, cujos resultados ainda não são conhecidos oficialmente, ordenou a anulação dos votos provenientes de 210 mesas de voto, indicando assim que ocorreu, na realidade, fraude eleitoral. Segundo se consta, isso irá originar a descida do eleitorado de Karzai para menos de 50%, o que levará a uma segunda volta com o número dois, Abdullah. Ambos estão prontos para novo sufrágio.

No Paquistão, as forças nacionais continuam combates acesos e com resultados duvidosos contra o “centro do terrorismo”, ou seja, contra os taliban. Este movimento originou já a deslocação de 100 000 civis e calcula-se que várias outras centenas de milhares se encontrem encurralados com esta ofensiva.

Finalmente, no Irão, cada vez são mais fundamentados os rumores que dão como morto do Ayatollah Khamenei e a procura do seu sucessor, que promete uma luta de facções que poderá desestabilizar o país. Os sinais são vários: desde o encerramento do seu site pessoal, ao não aparecimento no Domingo a comentar o violente ataque que vitimou os Guardas da Revolução, a publicação de fotografias de encontros passados na imprensa oficial,… Até quando quererão manter a expectativa? Aguardemos pelas repercussões do desaparecimento do líder espiritual iraniano – ou muito me engano ou ainda vamos ver mais tumultos em Teerão.

domingo, 18 de outubro de 2009

Neoconservadores ou neofundamentalistas?

Em comentário ao meu artigo anterior, o Diogo Lourenço alertou para um aspecto importante. Quando designamos uma certa corrente política, muitas vezes recorremos a etiquetas de uso comum que são muito menos óbvias do que parecem. E de facto, o termo “neoconservador” é um caso flagrante disso mesmo.

Aqui, subscrevo na íntegra a reflexão de Tzvetan Todorov no seu conjunto de ensaios sobre A Nova Desordem Mundial (Asa, 2006): na verdade, os “neoconservadores” são tudo menos “conservadores”. Passo a citar:

«Porém, o termo «conservador» não tem aqui qualquer cabimento, como aliás observou um deles: «Os neoconservadores não pretendem de modo algum defender a ordem das coisas tal como existe, assente na hierarquia, na tradição e numa visão pessimista da natureza humana» (Francis Fukuyama, no Wall Street Journal de 24 de Dezembro de 2002). Esses pensadores acreditam na possibilidade de aperfeiçoar de modo radical o homem e a sociedade e estão activamente empenhados nesse processo. Mas neste caso não merecem o epíteto de conservadores (…). Uma expressão mais justa para os designar seria neofundamentalistas: fundamentalistas porque se reclamam de um Bem absoluto que querem impor a todos; e neo porque esse Bem é constituído já não por Deus, mas pelos valores da democracia liberal.
Nenhum destes dois ingredientes é verdadeiramente novo; em contrapartida, a sua combinação é inédita. Os fundamentalistas acreditam nos valores absolutos, pelo que rejeitam o relativismo envolvente (…). Não obstante, não sendo conservadores, querem propagar o seu ideal no mundo pela força. Desta perspectiva, é sobretudo o espírito da «revolução permanente» que evocam. Há que buscar as origens desta vertente do seu pensamento na esquerda revolucionária anti-estalinista. (…)
O pensamento que anima este aspecto da política externa americana não é, pois, conservador, do mesmo modo que não é liberal (na medida em que se impõe a unidade em lugar de deixar subsistir a diversidade).»

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Entre Marte e Vénus


Há certas obras que definem um dado momento histórico. Relativamente à política externa norte-americana da era Bush, Paradise & Power, de Robert Kagan, subintitulado America and Europe in the New World Order, é essa obra. Escrito em 2003, nas vésperas da Guerra do Iraque, o livro detém-se sobre o estado de tensão que então emergia nas relações transatlânticas e que se tornou explícito com a oposição francesa e alemã à intervenção militar norte-americana no Iraque. Para o autor, essa tensão não constitui um desencontro pontual e excepcional, fruto de uma mudança radical de prioridades por parte da administração Bush na sequência do 11 de Setembro. Pelo contrário, é a consequência natural de uma longa evolução histórica.

Conhecendo-se o percurso intelectual e político de Robert Kagan, marcado pela proximidade aos círculos neoconservadores, será eventualmente possível ler a obra como uma tentativa de legitimação da doutrina estratégica de Bush. Contudo, penso que vale mais a pena confrontar directamente a exposição de Kagan, em vez de entrar pela especulação em torno de possíveis segundas intenções. A tese central de Paradise & Power é que chegamos a um ponto em que norte-americanos e europeus deixaram de partilhar a mesma visão do mundo – ou, se quisermos ser mais precisos, a mesma cultura estratégica. Os norte-americanos são de Marte; os europeus de Vénus. Ou seja, enquanto os americanos continuam a assumir a power politics como o paradigma fundamental das relações internacionais e se assumem a si próprios como um actor num mundo onde ainda reina a anarquia hobbesiana, os europeus parecem caminhar já para lá da power politics, em direcção a um «paraíso pós-moderno» corporizado pela União Europeia que visa realizar o ideal kantiano da paz perpétua. As implicações desta divergência são enormes. Se de um lado existe um forte poder militar e a disposição para o utilizar, do outro cresce a dúvida em relação à eficácia e à moralidade desse tipo de poder. Se uns atribuem um valor meramente instrumental a tratados e organizações internacionais, os outros vêem neles essenciais fóruns de negociação diplomática e expressões de um desejável multilateralismo.

Quais as razões para esta divisão de caminhos? Certamente, existe na Europa a memória histórica de séculos de sangrenta balança de poderes. Por outro lado, o processo de construção europeia, com a sua lógica própria, veio mudar algumas sensibilidades e também provocar um certo alheamento europeu relativamente às questões internacionais. Contudo, de acordo com Kagan, a principal razão reside no crescente fosso de poder – militar, acrescente-se – entre EUA e Europa. Isso acabou por provocar, numa perspectiva histórica, uma curiosa inversão. Se, no início da sua história, os EUA, numa posição de relativa fraqueza, valorizavam a legalidade internacional, a diplomacia e a negociação, hoje, com uma hegemonia incontestada, são os primeiros a recorrer, sempre que necessário, à acção unilateral. Com os europeus, ocorreu o processo inverso. E se as potências identificam e avaliam ameaças à sua segurança diferentemente, consoante o seu poder ou fraqueza relativos, então é natural que americanos e europeus dificilmente se entendam no contexto actual. É esta, segundo Kagan, a verdadeira natureza do problema transatlântico e também a razão pela qual ele é provavelmente inultrapassável, pondo em causa a coesão do «ocidente».

A análise de Kagan é inegavelmente perspicaz e sempre intelectualmente honesta. Mesmo que, na questão do Iraque ou noutras, estejamos, como eu estou, longe das posições neoconservadoras, é possível subscrever grande parte da argumentação de Kagan. Isto porque há uma questão que permanece sem resposta. Face aos novos desafios na cena internacional, qual a postura mais apropriada? As estratégias «soft» dos europeus ou a abordagem «hard» americana? Depreende-se que Kagan confia mais na segunda, mas o seu esforço argumentativo não é direccionado para essa questão[1]. Em última análise, só o tempo poderá comprovar ou desmentir a previsão de Kagan de turbulência constante nas relações transatlânticas. A atmosfera parece bastante mais desanuviada desde a eleição de Obama, mas ainda é cedo para extrair conclusões. E depois, claro, podemos interrogarmo-nos sobre a centralidade, no quadro actual, dessas relações. O que vale, actualmente, a coesão do «ocidente» (entenda-se aqui o conceito na sua acepção estritamente geopolítica), quando o bloco opositor já desapareceu? Esta interrogação está já para além do âmbito da análise de Kagan. Contudo, importa tê-la em mente para percebermos até que ponto, apesar de tudo, o autor deve ainda muito a uma economia mental herdada da Guerra Fria.

[1] Note-se que, em relação ao Iraque, Kagan parte sempre do princípio que o regime de Saddam possui armas de destruição maciça. Hoje, temos razões fortes para rejeitar essa hipótese.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Histórias

Este video mostra não só uma excelente contadora de histórias, mas também uma forma diferente de recordar a Segunda Guerra Mundial.
Deixo-vos o link: http://www.youtube.com/watch?v=518XP8prwZo

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Viva a República!


Há 99 anos atrás, Portugal libertou-se da monarquia e dos seus privilégios de sangue.

sábado, 3 de outubro de 2009

A Irlanda e o Nim

Mais uma vez a Europa está no centro das atenções. Ao contrário do que se passou em Junho do ano passado, os irlandeses votaram favoravelmente o Tratado de Lisboa. Como muito se lê por aí, ficou resolvido o impasse criado pela crise institucional aberta pela nega irlandesa.

Sabemos que a Irlanda foi o único dos 27 (por imposição constitucional) a utilizar o referendo como forma de legitimação deste tratado internacional. Apesar de ter noção da importância deste texto constitucional, sobre o qual publicarei um pequeno artigo brevemente, tenho algumas dúvidas sobre a necessidade de referendo para a aprovação do dito tratado. É uma questão de soberania, é certo; envolvem-se interesses nacionais, correcto. Contudo, veja-se o que se passou na Irlanda e, isso sim, considero deplorável. Os irlandeses recusam o tratado – com a ameaça do fantasma da cedência de soberania, o aborto à espreita, etc etc. – e toca a fazer novo referendo, um ano depois, a ver se é desta.

Enquanto europeísta convicto, lamento sinceramente que os líderes europeus dêem razões aos cépticos para questionarem a legitimidade democrática da União; mas efectivamente é o que eles parecem fazer com demasiada frequência. Vá lá que desta vez os irlandeses estavam assustados com a crise, ponderaram a possibilidade de receber mais fundos em troca de uma simples cruz num boletim de voto e foram avisados de que o aborto não seria legalizado com a ratificação do tratado: mais 5% dos eleitores foram às urnas e desses 67,1% votou “sim”.

Agora aguarda-se que a Polónia e a República Checa ratifiquem o tratado, que já se atrasou uns meses em relação ao desejado pelos eurocratas em Lisboa aquando da assinatura do Tratado e a Europa sobe novamente à ribalta do palco internacional, como diz o Süddeutsche Zeitung. Resta-nos agora esperar para ver se realmente a adopção do Tratado trará o reforço institucional que a União Europeia clama como condição sine qua non para que esta desempenhe o papel de uma potência mundial, interventiva e com influência.