segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Obama pela Ásia

Sobre a ronda de Obama pela Ásia e algumas questões sobre a sua política externa e o sistema internacional, ver o que escrevi aqui e aqui.

domingo, 8 de novembro de 2009

Breathing earth!

Para os que não conhecem, fica a sugestão de um site impressionante! Vale a pena visitar! Com os nascimentos, as mortes e as emissões de CO2 por todo o mundo em cada instante. Dá para reflectirmos sobre o destino deste mundo e as implicações geopolíticas que as disparidades, de que nos apercebemos com a distribuição dos símbolos pelo mapa, podem vir a originar... Não podia deixar de partilhar.

http://www.breathingearth.net/

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Prémio Mo Ibrahim

Há dias no programa da Sic "Nós Por cá" tive conhecimento da existência de uma fundação que premeia a excelência de dirigentes africanos. A fundação Mo Ibrahim, entre outras coisas, premeia, anualmente, os líderes africanos eleitos democraticamente que cumpram o seu mandato nos termos estabelecidos pela constituição do país e que tenham deixado o poder nos últimos três anos.
O prémio é considerável: 5 milhões de dólares e ainda uma quantia de 200.000 dólares anuais para toda a vida. Este ano, contudo, não houve nenhum vencedor. O Comité decidiu não atribuir o prémio ao nomeado John Agyekum Kufuor, antigo presidente do Gana, por este ser suspeito de corrupção.
Esta notícia fez-me recordar o post "Eleições e... a Democracia?" escrito pelo meu colega André no seu blogue Internacionalizzando. O problema da eternização dos líderes nos seus cargos e da falta de renovação na política não é exclusivo do continente africano, mas será que esta iniciativa poderá ser um incentivo à democracia? E será que poderia ter sucesso noutras áreas do mundo?
Deixo à vossa consideração.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Para onde vao as tribos?

Quando um dia tive a oportunidade de conhecer um queniano que exerce funcoes na politica, surgiu o interesse, no decorrer da conversa, em saber quais sao afinal as orientacoes politicas maioritarias entre os cidadaos deste pais. Com isto referia-me ao espectro que vai da esquerda para a direita (ou vice-versa) e aos seus respectivos clusters. Nao sendo suficiente, tive ainda que lhe mencionar "socialismo" e "capitalismo" para perceber exactamente do que estava a falar. Um comeco so por si denunciador.
E que num pais como o Quenia as preferencias do eleitorado sao definidas mais por uma certa solidariedade para com o lider em questao, uma ascendencia sagrada em comum, do que por uma ideologia concreta e o compromisso para mudancas radicais. Esta tradicao conservadora e por isso bem mais expressiva atraves de comportamentos e accoes do que por obras, textos e pensadores de referencia.
Claro que se podera identificar qual dos dois, Odinga e Kibaki, seguira versoes mais a esquerda ou a direita. No entanto, excluindo alguns intelectuais e academicos, aqueles que apoiam Raila Odinga nao sao os desafortunados do Quenia, mas antes os seus "compatriotas" etnicos, os Luo, independentemente da sua classe social.
De facto, o tribalismo e um fenomeno cumulatorio de atitudes especificas atraves de geracoes. E, como consequencia, e quase por definicao colectivista. Por isso, este conservadorismo tribal africano e um corpo pensante em continuo consenso, ligando o passado com o presente e o futuro.



Aproveitem para estar a par da minha lista negra http://listanoire.blogspot.com/

Pelo Médio Oriente...

O Afeganistão, o Paquistão e o Irão chamam a atenção da comunidade internacional para uma das zonas mais instáveis do mundo, por diferentes motivos.



No Afeganistão, a Comissão de Queixas Eleitorais, cujos resultados ainda não são conhecidos oficialmente, ordenou a anulação dos votos provenientes de 210 mesas de voto, indicando assim que ocorreu, na realidade, fraude eleitoral. Segundo se consta, isso irá originar a descida do eleitorado de Karzai para menos de 50%, o que levará a uma segunda volta com o número dois, Abdullah. Ambos estão prontos para novo sufrágio.

No Paquistão, as forças nacionais continuam combates acesos e com resultados duvidosos contra o “centro do terrorismo”, ou seja, contra os taliban. Este movimento originou já a deslocação de 100 000 civis e calcula-se que várias outras centenas de milhares se encontrem encurralados com esta ofensiva.

Finalmente, no Irão, cada vez são mais fundamentados os rumores que dão como morto do Ayatollah Khamenei e a procura do seu sucessor, que promete uma luta de facções que poderá desestabilizar o país. Os sinais são vários: desde o encerramento do seu site pessoal, ao não aparecimento no Domingo a comentar o violente ataque que vitimou os Guardas da Revolução, a publicação de fotografias de encontros passados na imprensa oficial,… Até quando quererão manter a expectativa? Aguardemos pelas repercussões do desaparecimento do líder espiritual iraniano – ou muito me engano ou ainda vamos ver mais tumultos em Teerão.

domingo, 18 de outubro de 2009

Neoconservadores ou neofundamentalistas?

Em comentário ao meu artigo anterior, o Diogo Lourenço alertou para um aspecto importante. Quando designamos uma certa corrente política, muitas vezes recorremos a etiquetas de uso comum que são muito menos óbvias do que parecem. E de facto, o termo “neoconservador” é um caso flagrante disso mesmo.

Aqui, subscrevo na íntegra a reflexão de Tzvetan Todorov no seu conjunto de ensaios sobre A Nova Desordem Mundial (Asa, 2006): na verdade, os “neoconservadores” são tudo menos “conservadores”. Passo a citar:

«Porém, o termo «conservador» não tem aqui qualquer cabimento, como aliás observou um deles: «Os neoconservadores não pretendem de modo algum defender a ordem das coisas tal como existe, assente na hierarquia, na tradição e numa visão pessimista da natureza humana» (Francis Fukuyama, no Wall Street Journal de 24 de Dezembro de 2002). Esses pensadores acreditam na possibilidade de aperfeiçoar de modo radical o homem e a sociedade e estão activamente empenhados nesse processo. Mas neste caso não merecem o epíteto de conservadores (…). Uma expressão mais justa para os designar seria neofundamentalistas: fundamentalistas porque se reclamam de um Bem absoluto que querem impor a todos; e neo porque esse Bem é constituído já não por Deus, mas pelos valores da democracia liberal.
Nenhum destes dois ingredientes é verdadeiramente novo; em contrapartida, a sua combinação é inédita. Os fundamentalistas acreditam nos valores absolutos, pelo que rejeitam o relativismo envolvente (…). Não obstante, não sendo conservadores, querem propagar o seu ideal no mundo pela força. Desta perspectiva, é sobretudo o espírito da «revolução permanente» que evocam. Há que buscar as origens desta vertente do seu pensamento na esquerda revolucionária anti-estalinista. (…)
O pensamento que anima este aspecto da política externa americana não é, pois, conservador, do mesmo modo que não é liberal (na medida em que se impõe a unidade em lugar de deixar subsistir a diversidade).»

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Entre Marte e Vénus


Há certas obras que definem um dado momento histórico. Relativamente à política externa norte-americana da era Bush, Paradise & Power, de Robert Kagan, subintitulado America and Europe in the New World Order, é essa obra. Escrito em 2003, nas vésperas da Guerra do Iraque, o livro detém-se sobre o estado de tensão que então emergia nas relações transatlânticas e que se tornou explícito com a oposição francesa e alemã à intervenção militar norte-americana no Iraque. Para o autor, essa tensão não constitui um desencontro pontual e excepcional, fruto de uma mudança radical de prioridades por parte da administração Bush na sequência do 11 de Setembro. Pelo contrário, é a consequência natural de uma longa evolução histórica.

Conhecendo-se o percurso intelectual e político de Robert Kagan, marcado pela proximidade aos círculos neoconservadores, será eventualmente possível ler a obra como uma tentativa de legitimação da doutrina estratégica de Bush. Contudo, penso que vale mais a pena confrontar directamente a exposição de Kagan, em vez de entrar pela especulação em torno de possíveis segundas intenções. A tese central de Paradise & Power é que chegamos a um ponto em que norte-americanos e europeus deixaram de partilhar a mesma visão do mundo – ou, se quisermos ser mais precisos, a mesma cultura estratégica. Os norte-americanos são de Marte; os europeus de Vénus. Ou seja, enquanto os americanos continuam a assumir a power politics como o paradigma fundamental das relações internacionais e se assumem a si próprios como um actor num mundo onde ainda reina a anarquia hobbesiana, os europeus parecem caminhar já para lá da power politics, em direcção a um «paraíso pós-moderno» corporizado pela União Europeia que visa realizar o ideal kantiano da paz perpétua. As implicações desta divergência são enormes. Se de um lado existe um forte poder militar e a disposição para o utilizar, do outro cresce a dúvida em relação à eficácia e à moralidade desse tipo de poder. Se uns atribuem um valor meramente instrumental a tratados e organizações internacionais, os outros vêem neles essenciais fóruns de negociação diplomática e expressões de um desejável multilateralismo.

Quais as razões para esta divisão de caminhos? Certamente, existe na Europa a memória histórica de séculos de sangrenta balança de poderes. Por outro lado, o processo de construção europeia, com a sua lógica própria, veio mudar algumas sensibilidades e também provocar um certo alheamento europeu relativamente às questões internacionais. Contudo, de acordo com Kagan, a principal razão reside no crescente fosso de poder – militar, acrescente-se – entre EUA e Europa. Isso acabou por provocar, numa perspectiva histórica, uma curiosa inversão. Se, no início da sua história, os EUA, numa posição de relativa fraqueza, valorizavam a legalidade internacional, a diplomacia e a negociação, hoje, com uma hegemonia incontestada, são os primeiros a recorrer, sempre que necessário, à acção unilateral. Com os europeus, ocorreu o processo inverso. E se as potências identificam e avaliam ameaças à sua segurança diferentemente, consoante o seu poder ou fraqueza relativos, então é natural que americanos e europeus dificilmente se entendam no contexto actual. É esta, segundo Kagan, a verdadeira natureza do problema transatlântico e também a razão pela qual ele é provavelmente inultrapassável, pondo em causa a coesão do «ocidente».

A análise de Kagan é inegavelmente perspicaz e sempre intelectualmente honesta. Mesmo que, na questão do Iraque ou noutras, estejamos, como eu estou, longe das posições neoconservadoras, é possível subscrever grande parte da argumentação de Kagan. Isto porque há uma questão que permanece sem resposta. Face aos novos desafios na cena internacional, qual a postura mais apropriada? As estratégias «soft» dos europeus ou a abordagem «hard» americana? Depreende-se que Kagan confia mais na segunda, mas o seu esforço argumentativo não é direccionado para essa questão[1]. Em última análise, só o tempo poderá comprovar ou desmentir a previsão de Kagan de turbulência constante nas relações transatlânticas. A atmosfera parece bastante mais desanuviada desde a eleição de Obama, mas ainda é cedo para extrair conclusões. E depois, claro, podemos interrogarmo-nos sobre a centralidade, no quadro actual, dessas relações. O que vale, actualmente, a coesão do «ocidente» (entenda-se aqui o conceito na sua acepção estritamente geopolítica), quando o bloco opositor já desapareceu? Esta interrogação está já para além do âmbito da análise de Kagan. Contudo, importa tê-la em mente para percebermos até que ponto, apesar de tudo, o autor deve ainda muito a uma economia mental herdada da Guerra Fria.

[1] Note-se que, em relação ao Iraque, Kagan parte sempre do princípio que o regime de Saddam possui armas de destruição maciça. Hoje, temos razões fortes para rejeitar essa hipótese.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Histórias

Este video mostra não só uma excelente contadora de histórias, mas também uma forma diferente de recordar a Segunda Guerra Mundial.
Deixo-vos o link: http://www.youtube.com/watch?v=518XP8prwZo

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Viva a República!


Há 99 anos atrás, Portugal libertou-se da monarquia e dos seus privilégios de sangue.

sábado, 3 de outubro de 2009

A Irlanda e o Nim

Mais uma vez a Europa está no centro das atenções. Ao contrário do que se passou em Junho do ano passado, os irlandeses votaram favoravelmente o Tratado de Lisboa. Como muito se lê por aí, ficou resolvido o impasse criado pela crise institucional aberta pela nega irlandesa.

Sabemos que a Irlanda foi o único dos 27 (por imposição constitucional) a utilizar o referendo como forma de legitimação deste tratado internacional. Apesar de ter noção da importância deste texto constitucional, sobre o qual publicarei um pequeno artigo brevemente, tenho algumas dúvidas sobre a necessidade de referendo para a aprovação do dito tratado. É uma questão de soberania, é certo; envolvem-se interesses nacionais, correcto. Contudo, veja-se o que se passou na Irlanda e, isso sim, considero deplorável. Os irlandeses recusam o tratado – com a ameaça do fantasma da cedência de soberania, o aborto à espreita, etc etc. – e toca a fazer novo referendo, um ano depois, a ver se é desta.

Enquanto europeísta convicto, lamento sinceramente que os líderes europeus dêem razões aos cépticos para questionarem a legitimidade democrática da União; mas efectivamente é o que eles parecem fazer com demasiada frequência. Vá lá que desta vez os irlandeses estavam assustados com a crise, ponderaram a possibilidade de receber mais fundos em troca de uma simples cruz num boletim de voto e foram avisados de que o aborto não seria legalizado com a ratificação do tratado: mais 5% dos eleitores foram às urnas e desses 67,1% votou “sim”.

Agora aguarda-se que a Polónia e a República Checa ratifiquem o tratado, que já se atrasou uns meses em relação ao desejado pelos eurocratas em Lisboa aquando da assinatura do Tratado e a Europa sobe novamente à ribalta do palco internacional, como diz o Süddeutsche Zeitung. Resta-nos agora esperar para ver se realmente a adopção do Tratado trará o reforço institucional que a União Europeia clama como condição sine qua non para que esta desempenhe o papel de uma potência mundial, interventiva e com influência.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Papel químico

Como o Pedro bem explicou no seu artigo, não só os portugueses foram às urnas este Domingo. Na realidade, as atenções da Europa estiveram mais viradas para outro sufrágio – o que aconteceu no velho motor da Europa, a Alemanha. A análise feita no artigo “As outras eleições” e a consciência dos resultados das legislativas em Portugal levam-me a crer que a conjuntura internacional, com maior relevo para a crise mundial que atravessamos, serviu de papel químico para as duas eleições. Senão vejamos.

Merkel, a já chanceler alemã, saiu vitoriosa. Sócrates, o já primeiro-ministro português, também. 33,8% para o CDU, 36,5% para o PS. Merkel alcança os seus dois objectivos e formará coligação com o FDP, o que permite descalçar a bota do SPD, já Sócrates ponderará, eventualmente, uma coligação ou poderá manter-se “orgulhosamente só”, numa política de zig-zag e constantes conversações e alianças como sugeria ontem um comentador. Em ambos os casos, como é visível, quem venceu, foi o status quo, que, aliás, Obama e Sarkozy felicitaram, dado o pragmatismo centrista da chanceler.

Contudo, os dois partidos que mantiveram a maioria relativa, fizeram-no com uma descida. De 2005 para 2009, a CDU baixou quase um ponto e meio percentual, enquanto que o PS teve que aguentar com uma descida na ronda dos 8,5%. Ambos desceram. Mas não foram os únicos: com eles, baixaram também, grosso modo, os partidos maioritários da oposição, ou seja, o SPD e o PSD – com rigor, o partido social-democrata português não viu o número de eleitores diminuir, sentindo até um pequeno aumento de o,3%, o que não era expectável de um partido da oposição. Na mesma lógica de pensamento, o SPD sofreu uma queda de quase 10 pontos relativamente a 2005, o que aponta para um resultado desastroso do partido do ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros.

A questão que se coloca então é para onde se terão desviado os votos? Naturalmente, houve uma fuga dos chamados “votos de descontentamento” para partidos mais pequenos e emergentes. Mais uma vez, isto aconteceu em ambos os países, onde se nota uma confluência das curvas – os maioritários a descerem e os pequenos partidos a subirem na preferência do eleitorado. Die Linke passa de 8,7% para 11,9%; o BE aumenta de 6,4%, quase alcançando a fasquia dos 10%. O FDP, com quem Merkel pretende coligar, transformou os seus 9,8% para 14,6%; o CDS português ultrapassa os 10%, subindo 3,22 pontos percentuais face às últimas legislativas. Poderia ainda nomear os exemplos do PCP ou dos Die Grüne para esta listagem.

Assim, a par desta tendência de manutenção do status quo, que não se altera bruscamente, como é óbvio, tanto Portugal como a Alemanha vivem este movimento de emergência e consolidação de partidos mais pequenos, com uma maior tradição nesta última. E assim dois países se preparam para continuar a lutar contra a crise.

As outras eleições

Não foi só em Portugal que houve eleições este domingo. Também os alemães foram a votos, após uma campanha serena como poucas. Ganhou o centro-direita (CDU) de Angela Merkel, que muito seguramente irá fomar uma coligação com os liberais do FDP, que obtiveram o melhor resultado da sua história.
No entanto, não se tratou de uma vitória muito festejada pelos democratas-cristãos. Vão, é certo, poder coligar-se com um parceiro em teoria mais próximo ideologicamente, largando a companhia dos sociais-democratas. Porém, a convivência com o FDP não será exactamente fácil, até porque Merkel não parece disposta a ceder no essencial: a segurança social não será privatizada e as leis laborais não serão modificadas no sentido de facilitar os despedimentos. Por outro lado, importa ainda referir que, apesar da vitória, a CDU teve o pior resultado, em termos percentuais, desde 1949.
Quanto ao grande derrotado destas eleições é que não restam dúvidas. Com 22% dos votos, o SPD tem, de longe, o seu pior resultado do pós-guerra. A meu ver, trata-se da consequência lógica de uma social-democracia que só tem sabido estar na defensiva, incapaz de se diferenciar substancialmente dos democratas-cristãos que lideraram a última coligação de governo.
Por fim, importa realçar, a par de um resultado razoável dos Verdes (10%), a consolidação do Partido de Esquerda (Linke), que chegou aos 12% dos votos. É esta Linke que, creio, poderá ajudar à renovação interna do SPD e abrir-lhe perpsectivas de poder no curto-prazo.

domingo, 27 de setembro de 2009

Africa e o Tribalismo

Muitos dos conflitos politicos ocorridos em Africa sao analisados pela alta friccao e rivalidade entre tribos de um mesmo pais. No entanto, sao tambem frequentemente analises racistas e interpretacoes tribalistas que erroneamente justificam esses mesmos conflitos. Um tipo de suporte intelectual que explica rivalidades como resultado de uma intolerancia perante as diferencas de outras tribos e demasiado redutor para o que ocorre na realidade.
O que importa perceber e porque e que a tribo A entrou em conflito com a tribo B, porque e que a identidade etnica e importante nesta confrontacao, enfim, qual a causa especifica desta disputa. E o tribalismo, embora seja um agente de mobilizacao politica em Africa, raramente e a causa principal do conflito. Melhor dizendo, os grupos etnicos africanos nao sao fantasmas do passado ou restos da Historia. Eles servem as necessidades sociais, politicas e economicas contemporaneas, ja para nao falar no facto de muitas tribos serem impostas em Africa pelo colonialismo como uma estrategia para a melhor gestao economica e politica do territorio. Podemos referir assim que as tribos africanas sao contrucoes sociais modernas. Da mesma forma, os conflitos sao produtos historicos e nao reaccoes biologicas violentas e fatais. Veja-se que o genocidio no Ruanda em 1994 nao foi mais “tribalista” que a exterminacao de judeus na Alemanha Nazi. Por isso, os conflitos em Africa precisam ser explicados da mesma forma que em todo o mundo.

Peco desculpa pela ausencia de acentos e outros caracteres. E que este teclado e africano.
Abracos

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ainda o terrorismo...


Na sequência dos textos sobre terrorismo publicados pelos meus colegas Pedro e André, não poderia deixar de focar outro ponto importante nesta temática: o da luta contra o terror enfatizada pelos ataques de 11 de Setembro e que levaram, por vezes, a um excesso de zelo, especialmente por parte da administração Bush.


A Doutrina Bush (nome pelo qual ficaram conhecidos os métodos e as políticas adoptadas pela administração Bush para proteger os EUA depois dos atentados de 11 de Setembro) serviu de justificativa à invasão do Afeganistão e à invasão do Iraque, considerados países pertencentes ao Eixo do Mal.

A ameaça que certos países e indivíduos poderiam constituir para a segurança colectiva dos EUA levou a que o país adoptasse uma guerra preventiva, não só contra países considerados terroristas, mas também contra os próprios cidadãos que viram as suas liberdades individuais restringidas pelo Patriotic Act.

De referir que não foram apenas os EUA que adoptaram medidas deste género, sendo que também a Europa se viu mergulhada neste medo de que um qualquer muçulmano pudesse perpetuar um ataque terrorista.

John Le Carré escolheu este tema como pano de fundo para o seu livro "Um Homem Muito Procurado" publicado em Portugal pela Dom Quixote.
A história passa-se na multiétnica Hamburgo (cidade de passagem dos terroristas que derrubaram as torres gémeas) e envolve um russo e muçulmano nascido na Tchechénia, uma advogada especialista em direitos humanos, uma família turca ilegal e um banqueiro que herdou do pai contas misteriosas. Este livro mostra o cepticismo de Le Carré em relação aos métodos usados pelos serviços secretos e ilustra bem a luta contra o terror levada a cabo no pós 11 de Setembro. Uma leitura interessante escrita por um ex-agente dos serviços secretos ingleses.

domingo, 20 de setembro de 2009

Terrorismo - o que escondem as indefenições de um conceito?

Como o André muito bem sublinha no seu texto sobre terrorismo e identidade, não existe uma definição unívoca e consensualmente aceite de terrorismo. E não é de estranhar que assim seja. Afinal, a própria raiz do termo - o terror - é uma pura abstracção, aberta a todas as interpretações. No entanto, apesar desta indefinição quanto ao significado do conceito, estabeleceu-se um claro padrão na sua utilização mediática e não só: certas entidades e acções são comummente designadas de terroristas, enquanto outras, mesmo produzindo efeitos semelhantes, o não são.
Os resultados do relatório oficial das Nações Unidas sobre a última ofensiva israelita na Faixa de Gaza permitem expor claramente esta dualidade na aplicação do conceito. O aspecto mais relevante do relatório é o facto de examinar um conflito entre um estado soberano, Israel, e um movimento dito terrorista, o Hamas. Concluiu-se que ambos os lados cometeram crimes de guerra e crimes contra a humanidade. O Hamas lançou rockets sobre civis israelitas. O exército de Israel bombardeou mesquitas e hospitais. A diferença entre as entidades em confronto justifica que as acções de uma sejam consideradas terroristas e as da outra não?
No fundo, o emprego dos termos terrorismo e terrorista diz muito mais sobre quem os utiliza do que sobre a realidade que se pretende retratar.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Terrorismo & Identidade

Não há, na comunidade internacional, ao contrário do que possa supor o senso comum, uma definição clara do conceito de terrorismo. Se uns teóricos o entendem pelos seus efeitos, outros há que enfatizam os métodos, ou ainda as intenções ou o contexto que subjazem aos actos terroristas. Todavia, há uma série de traços característicos que, pedagogicamente, facilitam a definição ou delimitação – nunca com unanimidade – o que é e o que não é terrorismo. Não pretendo trazer esta discussão académica para aqui. Pretendo, isso sim, destacar uma face menos visível deste fenómeno global, mais do que internacional – não podemos esquecer-nos que a Al-Qaeda não é um Estado, mas uma organização.

O terrorismo é, lato sensu, um método, uma forma de actuar, que, na maior parte das vezes, não tem uma representação popular assim tão significativa. Causando mortes com uma intenção mais psicológica que estratégica, o terrorismo baseia-se, apoia-se, estrutura-se numa dicotomia identitária, que explora e perverte: é esta a tese que pretendo defender de forma sucinta neste artigo – a identidade como núcleo das questões terroristas; é o “nós” e o “outros”, é a centralidade da nossa cultura, de todas as nossas práticas religiosas e político-ideológicas e de todos os nossos padrões que choca, numa incapacidade de aceitação e compreensão, com padrões distintos, que os nossos esquemas mentais não conseguem acondicionar pacificamente.

Num interessante artigo de John Crowley, podemos ler que as questões identitárias estão tanto nas nossas cabeças como nas interacções sociais – a mente e a prática social fundem-se num esquema que define e delimita os grupos. A constituição e a manutenção dessas identidades colectivas originam o conflito, porque é na oposição que nos definimos a nós mesmos. Só com a ameaça francesa, Bismarck conseguiu congregar grande parte dos territórios que constituiriam a Alemanha no final da guerra franco-prussiana do século XIX. A identidade alemã consolidou-se com a ameaça francesa e só assim foi possível a unificação.

“O uso da força (…) é efectivamente o meio privilegiado de marcar as fronteiras sociais; na sua ausência, as identidades arriscam-se sempre a tornarem-se vagas. O apartheid sul-africano marcou o limite absurdo desta lógica.”(Crowley, 2000: 60)

Efectivamente, são estas as oposições que legitimam as acções mais cruéis, na tentativa de angariar para o seu grupo identitário a superioridade pretendida – aquilo que em Relações Internacionais se conhece como o “dilema de segurança”, ou seja: eu tento garantir a segurança desejada para o meu grupo atacando os demais para atingir a supremacia necessária à inviabilização de qualquer tentativa dos outros de me derrotarem.

“a crença de que só monopolizando eu próprio o poder, poderei garantir que ninguém abuse dele à minha custa.” (Crowley, 2000: 60)

Este mesmo autor identifica como “ilusão identitária” esta situação em que os indivíduos consideram que as crenças e outras características da sua identidade são em si mesmas as chaves de interpretação válidas para todas as situações. Para a Al-Qaeda, os “ocidentais infiéis”, sejam eles quem forem, fazem tanto parte do problema como da solução; o e mesmo para outros grupos, como os Tigre Tamil do Sri Lanka, por exemplo, onde as construções históricas se concretizam, tornando-se realidade para eles. No caso dos terrorismos separatistas (caso flagrante da ETA no País Basco), esta oposição e obsessão pela pertença a grupos identitários concretizam-se na vontade de delimitação física, geográfica e política entre o “nós” e a ameaça dos “outros”.

Não é minha intenção menosprezar a pertença a grupos, nem tampouco a construção da identidade individual no seio desses mesmos grupos e com base na oposição àquilo que nos é estranho; é, isso sim, alertar para a complexidade do fenómeno do terrorismo e para uma das suas vertentes, que é a incorporação de tal forma profunda e radical, que, mais do que ver no outro a diferença, vê no outro uma ameaça à sua posição, à sobrevivência da sua perspectiva.

O “Ocidente” é muito culpado, com as suas tentativas culturais (e outras) hegemónicas de um mundo perfeito e desejável para todos, pronto e embalado para exportar. Contudo, o fundamental é o reconhecimento da relatividade cultural, do valor na diferença, do respeito pelo estranho. O desafio das democracias, consideradas abertas e receptivas, está nisso mesmo: em conciliar identidades, através do diálogo e da aceitação, num mosaico colorido que é o nosso mundo.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Coreia do Norte: um problema nuclear?

O anúncio norte-coreano, em missiva verbalmente musculada enviada ao Conselho de Segurança da ONU, de que havia entrado na fase terminal do processo de enriquecimento de urânio soltou algumas ondas de choque pela comunidade internacional. Nada, porém, que estivesse fora das previsões, tendo em conta certos desenvolvimentos recentes já aqui analisados pela Marília Cunha. Ora, é compreensível a preocupação dos vizinhos sul-coreanos e do Japão, mas um maior distanciamento leva-nos a concluir que a situação, se bem que preocupante, não é exactamente alarmante.

Quase meio século de Guerra Fria terá servido para nos demonstrar que armas nucleares nas mãos de estados rivais não são para ser utilizadas. Ou melhor, são para ser utilizadas, mas não literalmente. O que a Coreia do Norte procura com estas especulações em torno do seu programa nuclear é ganhar alguma margem de manobra na mesa de negociações, em face das sanções que lhe foram aplicadas pela comunidade internacional. Isto indica que os efeitos das sanções estão a fazer-se sentir – muito certamente, com consequências humanitárias gravíssimas –, pelo que este anúncio de Pyongyang é mais um sinal de fraqueza do que propriamente de força. É que, por muito pouco que se saiba acerca dos líderes norte-coreanos, o seu comportamento não indicia que sejam psicopatas com tendências suicidárias, mas sim déspotas que querem preservar o poder a todo o custo. Nesse sentido, creio que o nuclear só poderá ser encarado como uma arma diplomática.

Perante este cenário, apresentam-se três alternativas. A primeira – péssima – seria tomada por aqueles que, dormindo descansados com a quantidade de estados soberanos que hoje possuem armas nucleares (Estados Unidos, Rússia, China, Paquistão, Israel, Índia, etc.), não toleram sequer a hipótese de a Coreia do Norte as possuir. A solução seria, pois, a eliminação, pela força, do actual regime norte-coreano. Tal opção teria consequências imprevisíveis – e se a Coreia do Norte possuir, já hoje, capacidade militar nuclear? – e outras previsivelmente drásticas: mais uma experiência, análoga ao Iraque e ao Afeganistão, de construção da “democracia” a partir do grau zero da destruição. A segunda alternativa veria no desmantelamento do programa nuclear norte-coreano não um fim em si, mas um meio para algo mais ambicioso: a integração da Coreia do Norte na comunidade internacional. Nessa perspectiva, o caminho teria de passar por um levantamento gradual das sanções, sujeito à apresentação de “sinais” favoráveis da parte de Pyongyang. Esta seria certamente a opção que mais depressa aliviaria as condições humanitárias no interior da Coreia do Norte. Contudo, tendo em conta a natureza do regime, parece-me irrealista. Resta-nos uma terceira hipótese: a tentativa de desmantelamento, sem mais ambições integradoras, pela via diplomática. O sucesso não estaria garantido à partida, a paciência e a subtileza no reforçar ou afrouxar das sanções seriam a chave de um processo necessariamente moroso, mas, tudo somado, esta alternativa parece ser mais prometedora. Estará o Conselho de Segurança à altura?

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Férias!

A todos os nossos dedicados leitores, a equipa do Mundo em Revista gostaria de informar que estará de férias durante este mês de Agosto. Em Setembro, retomaremos a publicação de textos sobre a actualidade internacional com muitas novidades: novos autores, perspectivas, novas temáticas e rubricas!

A todos, umas óptimas férias e até Setembro!

A equipa do Mundo em Revista

Erasmus Mundus

Para todos os interessados em efectuar um período de estudos no estrangeiro informa-se que abrem hoje mais dois projectos - o EBWII e o Mundus17 - coordenados pela U.Porto.

O projecto Euro Brazilian Windows II (EBW II) é um consórcio de Instituições Europeias e Brasileiras na área do Ensino Superior; o projecto Mundus 17 é um consórcio de Instituições Europeias, Brasileiras, Paraguaias e Uruguaias na área do Ensino Superior. Ambos os Projectos são financiados pela Comissão Europeia através do Programa Erasmus Mundus (Acção 2), que é um dos programa de cooperação da União Europeia com países terceiros.

O projecto EBWII é dirigido a estudantes portugueses de licenciatura ou doutoramento, a investigadores de pós-doutoramento e a docentes europeus interessados em realizar uma mobilidade nas instituições parceiras no Brasil, enquanto que o projecto Mundus17 abrange também o Paraguai e Uruguai.
Ambos os projectos contemplam o pagamento de uma bolsa mensal, dos custos da viagem para o país seleccionado, seguro de saúde, de viagem e de acidentes pessoais. O Programa prevê a isenção de taxas de matrícula para mobilidades com duração inferior a 10 meses.

Para serem considerados elegíveis para a mobilidade, os candidatos europeus devem satisfazer os seguintes critérios:
• Ter conhecimentos suficientes da língua de ensino do país a que se candidata (espanhol – aplicável apenas para as mobilidades no Paraguai e no Uruguai);
• Ter nacionalidade portuguesa ou de um país europeu;
• No caso da mobilidade de pós-doutoramento, ter obtido o seu doutoramento nos últimos dois anos e ter o apoio da Universidade do Porto;
• Os estudantes de licenciatura devem ter concluído com sucesso pelo menos um ano de estudos na Universidade do Porto;
• Estar registado ou vinculado à Universidade do Porto;

Os projectos EBWII e Mundus17 prevêem que haja mobilidade de determinadas áreas de estudo, nomeadamente:

EBWII:

- área 05 (Educação, Formação de Professores) - para estudantes de licenciatura
- área 06 (Engenharia, Tecnologia) - para estudantes de licenciatura, doutoramento, pós-doutoramento e pessoal docente.
- área 14 (Ciências Sociais) - para estudantes de licenciatura

Mundus17: (para estudantes de licenciatura, doutoramento, pós-doutoramento e pessoal docente)

- área 01 (Ciências Agrárias)
- área 05 (Educação, Formação de Professores)
- área 06 (Engenharia, Tecnologia)
- área 12 (Ciências Médicas)
- área 13 (Ciências Naturais)
- área 14 (Ciências Sociais)

Para mais informações, incluindo as instituições a que se pode candidatar, a documentação necessária para a candidatura, os prazos e os critérios de selecção, deverá consultar os respectivos websites em http://www.ebw2.up.pt/ e http://www.mundus17.up.pt/

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Programa para a Internacionalização das Ciências Sociais

A Fundação Calouste Gulbenkian lançou um novo programa para a internacionalização das Ciências Sociais, com o objectivo de incentivar a publicação em revistas internacionais de referência.
Todos os investigadores portugueses e estrangeiros, que trabalhem em instituições portuguesas e que tenham idade inferior a 40 anos em 30 de Setembro de 2009 (data limite do concurso) podem participar. Serão admitidos neste concurso artigos publicados, ou aceites para a publicação, em revistas internacionais de referência entre os anos de 2006 e 2008.
A candidatura deverá ser submitida online em www.gulbenkian.pt
Um Júri nomeado para o efeito atribuirá duas distinções no valor de 5.000 € cada.
Para mais informações, por favor, consulte o regulamento do concurso em http://www.gulbenkian.pt/media/files/fundacao/ciencia/Regulamento-Programa_para_a_Internacionalizacao_das_Ciencias_Sociais.pdf

PEPAL - Programa de Estágios Profissionais na Administração Local

Informa-se que, dentro em breve, dará início mais um programa de estágios profissionais na Administração Pública. Só se saberá o número de vagas em fins de Julho - e, por essa razão, o site ainda se encontra desactualizado - mas todos os estágios deverão dar início até Outubro de 2009.

Os estágios profissionais organizados no âmbito do PEPAL destinam-se a jovens com idade compreendida entre os 18 e os 30 anos (à data da apresentação da candidatura), possuidores de licenciatura ou bacharelato (níveis de qualificação V e IV) ou habilitados com curso de qualificação profissional (nível III), recém-saídos dos sistemas de educação e formação à procura do primeiro emprego ou desempregados à procura de novo emprego que não tenham frequentado o PEPAP - Programa de Estágios Profissionais na Administração Pública Central.
Têm prioridade no acesso ao PEPAL os jovens à procura de emprego que, nessa qualidade, se encontrem inscritos há mais de três meses nos centros de emprego, sendo da responsabilidade do candidato informar a entidade onde se realiza o estágio da prioridade.

Para mais informações, por favor, consulte o site http://www.pepal.gov.pt/pepal/
Relembro que este não se encontra actualizado, devendo tal acontecer no princípio de Agosto.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O grande desafio de Obama

Depois de uma vitória eleitoral histórica em Novembro passado, e que significou também o regresso em força do poder da palavra à política, Barack Obama começa agora a enfrentar os desafios mais sérios ao seu programa de mudança.


Nos corredores de Washington, discute-se actualmente a reforma – fundamental, nas palavras de Obama – do sistema de saúde norte-americano. E porque, apesar de tudo, a prática da mudança é bem mais difícil do que o discurso, Obama não poderá contar apenas com a sua capacidade de persuasão e com a pressão de uma opinião pública que, pelo menos para já, lhe é favorável. A reforma proposta pela administração Obama não enfrenta apenas a oposição republicana, mas também a de certos sectores do seu próprio partido, pelo que se prevêem negociações ferocíssimas em ambas as frentes. Inevitavelmente, creio, Obama terá de ceder em alguns pontos do seu plano de reforma, o que, por seu turno, desagradará à ala esquerda dos democratas.


O resultado é, pois, incerto, mas uma coisa é certa: a retórica de mudança de Obama, afinal, não era só retórica. E um eventual triunfo de uma reforma que institua um sistema de saúde público, de cobertura universal, nos EUA só não será aproveitado como impulso positivo pela social-democracia europeia, se esta continuar presa a lideranças incapazes.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Paradoxos da (pós-)modernidade

"Hoje, sentimos como uma ameaça para a cultura aqueles que têm uma relação imediata e viva com a sua própria cultura, sem qualquer distanciamento em relação a ela. Lembremo-nos da indignação pública quando, há três anos, os talibãs do Afeganistão dinamitaram as antigas estátuas de Buda em Bamiyan: apesar de nenhum de nós, ocidentais esclarecidos, acreditar na divindade de Buda, sentimo-nos indignados pelo facto de os muçulmanos talibãs não terem mostrado nenhum respeito pelo «património cultural» do seu próprio país e de toda a humanidade. Em vez de crerem através dos outros, como todas as pessoas cultas, foi-nos dada a prova de que estavam completamente imersos na crença da sua própria religião e que, consequentemente, não mostravam grande sensibilidade pelo valor cultural dos monumentos das outras religiões – para eles, as estátuas de Buda não eram mais do que falsos ídolos e não «tesouros culturais»"

Slavoj
Žižek, A Marioneta e o Anão (Relógio de Água, 2006)

terça-feira, 14 de julho de 2009

Irão - documentário

Hoje deixo a sugestão de um documentário que encontrei neste blogue.
"Era uma vez no Irão - peregrinação a Kabala" parece-me um documentário de grande interesse, com a duração de pouco mais de uma hora.
Uma boa sugestão para aproveitar num descanso das férias.

domingo, 12 de julho de 2009

Revista "Perspectiva: Reflexões sobre a Temática Internacional"

A todos os interessados, aqui fica a proposta da Revista "Perspectiva", uma revista brasileira que publica textos de jovens investigadores na área das Relações Internacionais - lamento que venha muito em cima da hora, mas só agora tive acesso a ele. Devemos estar atentos nos próximos números!
Por impossibilidade de a anexar, deixo as informações mais pertinentes, transmitidas pelo cartaz da dita revista.


"O Centro Estudantil de Relacões Internacionais (CERI/UFRGS), em parceria com a Pró-Reitoria de Graduação, anuncia o lançamento do 2.º número (2009/I) da revista de iniciação científica do curso de relações internacionais e o início do período para submissão de artigos para o próximo número.
O Conselho Executivo da revista: Perspectiva: Reflexões sobre a temática internacional convida graduandos de todos os cursos e instituições do país a submeter artigos científicos da sua autoria para a nova edição (2009/II). A avaliação desses artigos ficará sob responsabilidade exclusiva do Conselho Editorial da revista.


Perspectiva se propõe para o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, reconhecendo nas Relações Internacionais um campo interdisciplinar e plural. Deste modo, artigos de estudantes de cursos como o de Ciências Políticas e Sociais, Economia, Direito, História e afins - que abordem temas relacionados às relações itnernacionais - só tendem a enriquecer a revista como um todo.
Prazo para submissão de artigos: 20 de Junho até 15 de Julho de 2009.

Normas para publicação e esclarecimentos gerais: revistaperspectiva@hotmail.com


Submissão online de artigos: perspectiva_submissao@hotmail.com "


Aproveitem e boa sorte!

sábado, 11 de julho de 2009

Cimeiras do G8 cada vez mais criticadas

No âmbito da Cimeira em L´Alquila surgem graves críticas, acusando o insucesso desta última Cimeira e apontando para a incapacidade de um governo mundial, fugindo continuamente ao confronto com promessas não cumpridas – “Die drei Tage von L’Aquila waren eine einzige Pleite – mit einer Weltregierung hat das G-8-Treffen nichts zu tun.” (Moritz Döbler (2009), “Der Letzte Gipfel”. ZEIT Online, 11 de Julho de 2009)




Leiam este artigo, está muito bem escrito...

"Vielleicht ist das alles nicht so wichtig. Aber wenn es jetzt wirklich darum geht, die Welt aus einer historischen Wirtschaftskrise zu führen und vor einer Klimakatastrophe zu retten, waren die drei Tage von L’Aquila eine einzige Pleite. Mit einer Weltregierung hatte das jedenfalls nichts zu tun. Silvio Berlusconi hat es verstanden, die Führer der wichtigsten Industrie- und Schwellenländer zu Statisten einer Inszenierung zu machen, die von seinen Poolpartys ablenkt und politische Potenz suggeriert.
Der Welt hatte der G-8-Gipfel nichts zu bieten. Die Beschlüsse zum Klimawandel sind eine Kapitulation, sonst nichts. Was würde man denn einem Alkoholiker sagen, der freudig ankündigt, er werde spätestens in 41 Jahren trocken sein – und dabei eine Flasche Schnaps leert? Nicht viel anders hielten es aber die acht wichtigsten Industriestaaten in L’Aquila. Bis zum Jahr 2050 wollen sie erreichen, dass der Ausstoß von Kohlendioxid weltweit halbiert wird, und sie selbst wollen sogar 80 Prozent schaffen. Aber von mittel- oder gar kurzfristigen Zielen haben sie sich verabschiedet. Und das langfristige Ziel wird nicht mal von allen geteilt.

Ein anderes Beispiel für das Versagen der G 8 ist die Hilfe für Afrika. Vor vier Jahren haben sie beim Gipfel von Gleneagles versprochen, die Hilfe für den ärmsten Kontinent bis zum Jahr 2010 auf jährlich 50 Milliarden Dollar zu verdoppeln. In L’Aquila haben sie diesen Beschluss bekräftigt, obwohl die meisten von ihnen bisher nicht annähernd in die Nähe der erforderlichen Beträge gekommen sind. Hinzu kommt, dass die schlichte Wiederholung des Zieles in Wahrheit eine massive Kürzung ist: Der Dollar hat gegenüber dem Euro seit Gleneagles ein Siebtel seines Werts verloren. So leidet Afrika unter der globalen Wirtschaftskrise in doppelter Hinsicht, direkt und indirekt.
Dafür haben die G 8 nun ein neues Ziel: Ein Hilfsprogramm soll in den kommenden drei Jahren Bauern in armen Ländern mit 20 Milliarden Dollar helfen. Dagegen ist nichts zu sagen. Nur könnte einem vielleicht auffallen, dass die US-Regierung allein zur Rettung eines einzigen Unternehmens – General Motors – das Dreifache dieser Summe mobilisiert. Oder dass all die Hilfe überflüssig wäre, wenn sich die Welt endlich, endlich auf ein Handelsabkommen einigte. In L’Aquila wurde wieder einmal die gute Absicht formuliert; bisher scheiterte sie stets an vielfältigen nationalen Interessen.
L’Aquila war vermutlich das letzte Treffen der G 8, das wenigstens den Anspruch hatte, ein Gipfel zu sein, nicht nur protokollarisch, sondern auch inhaltlich. Angela Merkel hat deutlich gemacht, dass sie G-8-Gipfel künftig als Vorbesprechungen betrachtet. Ein Format, das 1975 so schön als informeller Weltwirtschaftsgipfel am Kamin von Schloss Rambouillet begann, hat sich überholt. Eine Ironie am Rande ist, dass ausgerechnet die prekäre Lage der Weltwirtschaft in L’Aquila nahezu ausgeklammert wurde.
Aber das neue, größere Format G 20, das die Schwellenländer aufnimmt, kann nichts besser. Nach den zwei ersten Weltfinanzgipfeln in Washington und London gibt es einen Haufen von Absichtserklärungen, aber nicht viel mehr. Die G 20 haben keine Legitimation und keinen Vorsitzenden – man kann ihnen nicht mal einen Brief schreiben. So muss man den nächsten Gipfel im September in Pittsburgh wohl mit Skepsis sehen. Mag sein, dass alles gut wird. Aber wahrscheinlich geht an den Vereinten Nationen und der Europäischen Union, so schwerfällig sie sein mögen, kein Weg vorbei. Vermeintliche Abkürzungen kosten häufig nur Zeit.” (Moritz Döbler (2009), “Der Letzte Gipfel”. ZEIT Online, 11 de Julho de 2009)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Xinjiang: um outro Tibete

Ao contrário do que os menos atentos possam pensar, o Tibete não é o único foco de tensão étnica na China. A recente explosão de violência na província de Xinjiang, no extremo Noroeste do território chinês, veio provar isso mesmo.

Saber o que se está a passar, ao certo, em Xinjiang é muito difícil, tendo em conta a ausência de liberdade de imprensa na China. Em todo o caso, o quadro geral é suficientemente claro: trata-se do exacerbar de tensões de longa data entre a maioria uigure, de ascendência turcomena, e os chineses de etnia han. São as consequências expectáveis de um processo de construção do estado-nação conduzido com punho de ferro, primeiro pela República do Kuomintang e depois pela brutalidade de Mao.

A situação é, pois, comparável à do Tibete, mas talvez encerre em si um potencial de conflito superior. Por um lado, porque a província de Xinjiang, mais extensa e populosa que o Tibete, apresenta uma maior diversidade étnica. Por outro lado, ao contrário do Tibete, trata-se de uma região rica em recursos naturais (mineração, gás natural e produção agrícola) e de elevada importância estratégica, como via de acesso da China à Ásia Central.

E enfim, não nos podemos esquecer que o pano de fundo desta violência étnica é a crise económica global e os seus efeitos no crescimento chinês. Não é de estranhar que, conforme foi noticiado, os tumultos tenham sido despoletados pela forma como o governo chinês lidou com uma disputa entre trabalhadores uigures e trabalhadores han numa fábrica no Sul do país.

Que a única contestação visível à ditadura chinesa provenha deste tipo de impulsos identitários é algo que, enquanto democrata, me deixa consternado. Isso, contudo, é já uma outra questão.

Saddam Hussein

Para os interessados na questão do Iraque e em pormenores da guerra de Bush, foram divulgadas entrevistas do ex-ditador iraquiano ao FBI que constituem uma boa base de estudo e de aprofundamento da questão.





Porque nem sempre tudo o que parece é...


quarta-feira, 8 de julho de 2009

Os 8 com as mãos na massa...


... atentos ao resultado de tal receita...

Actualidade Internacional

1. Obama continua a sua visita pela Rússia. Várias são as notícias que relatam pormenores do encontro diplomático – o primeiro de Obama no país de Putin e de Medvev. Esta aproximação, que, por exemplo, já resultou num acordo de redução dos arsenais nucleares dos dois países e na retoma das actividades militares em comum suspensas desde a situação na Geórgia, é vista pelos media russos com grande cepticismo: ressaltam as divergências dos dois países, questionam o que esconderão os sorrisos e os apertos de mão e as intenções americanas: "Pode um leopardo mudar suas manchas? O curso estratégico americano permanece intacto, independente de quem ocupa a cadeira do presidente" (popular diário russo, o Moskovsky Komsomolets) As rádios emitem as declaração de Medvev e evitam as de Obama e, para terminar, uma manchete de tablóide afirma mesmo que Obama foi atropelado por ceifadeiras, uma vez que Putin, no primeiro dia do presidente americano em Moscovo, andava pelo sul do país em fábricas de ceifadeiras. Não obstante, Barack Obama incita a aproximação dos dois países, enfatizando os seus interesses comuns e a necessidade de se ultrapassar as desconfianças da Guerra Fria e passar para uma verdadeira parceria global que dê aos dois países o seu lugar no contexto internacional. A nova diplomacia americana em acção.

2. O Papa, na sua encíclica social hoje apresentada, defendeu a criação de uma autoridade política mundial, de forma a enfrentar os problemas globais com estruturas e soluções também elas globais. Há uma valorização da cooperação internacional, num contexto de crise, que poderá ser a sua solução, como temos vindo a observar. O Sumo Pontífice adianta ainda que seria desejável o desarmamento integral dos países, a garantia da segurança alimentar e da protecção do ambiente. Questiono-me sobre as suas intenções e a concretização da sua ideia de “regulação dos fluxos migratórios”. Um bom tema para quem quiser dedicar-se às 150 páginas da Encíclica de Bento XVI.

3. No seu primeiro discurso oficial, Ahmadinejad, o “novo” Presidente da República Islâmica do Irão, congratula o país pelas eleições mais livres do mundo. Uma afirmação no mínimo irónica depois de todos os acontecimentos que têm marcado o país desde o acto eleitoral. Repare-se que os confrontos têm-se dado de forma menos intensa graças ao reforço da intervenção policial, que, aliás, encerrou duas universidades para evitar manifestações lá programadas.
O líder iraniano garante, no entanto, que o país entrará numa nova fase, marcada por uma especial atenção ao emprego e à economia – áreas em que Ahmadinejad foi fortemente criticado pela oposição.

4. O Presidente da Costa Rica vai servir como mediador na crise política das Honduras. Tanto Zelaya como Micheletti concordaram com a sugestão de Clinton – na verdade, os EUA garante que pretendem o restabelecimento da paz e democracia no país. Dps tentativa zelaya voltar. Apesar da OEA ter já condenado o golpe de estado e de ter suspenso a participação das Honduras na organização, o Presidente interino não cede e impediu, através das suas Forças Armadas que Zelaya aterrasse no país.
Repare-se que Zelaya é aliado da facção esquerdista de Chávez e, por isso mesmo, os EUA dizem apoiá-lo não pela sua personalidade, mas pela sua democrática eleição e justa representação, como explica a Secretária de Estado, Hillary Clinton.

5. O governo iraquiano baniu todas as visitas organizadas ao túmulo de Saddam Hussein, depois de se aperceber que o local era um ponto de encontro de leais ao condenado líder e que várias escolas organizavam excursões com alunos para visitar o mausoléu do ex-ditador iraquiano.

6. A confusão continua na China. Dois dias depois das manifestações que originaram mais de 150 mortos e 1000 feridos, consideradas já as mais sangrentas de teor étnico na China em décadas, e apesar da presença de milhares de soldados e da polícia na região, o Governo parece incapaz de manter a calma e aliviar as graves tensões. Como resposta aos incidentes, os chineses marcharam pela cidade de Urumqi a cantar o hino e a pedir vingança. Note-se que na região de Xinjiang vivem cerca de 20 milhões de habitantes, que representam 47 grupos étnicos minoritários, sendo que o maior deles, os Uighurs, responsáveis pelos desacatos, conta com uma população de mais de 8 milhões de pessoas. Este povo islâmico da Ásia Central é apontado pelos conterrâneos chineses de estarem ligados, pelas suas intenções separatistas, ao grupo Al-Qaeda. Os especialistas são peremptórios ao afirmar que essas ligação não devem existir e, a existir, seriam muito ténues e sem força para provocar tais desordens. As organizções dos Direitos Humanos criticam a repressão brutal do Governo; os EUA apelam à calma das partes; os interessados por todo o mundo mantêm os olhos postos na China e neste barril de pólvora.

7. A reunião do G8 sobre o ambiente promete. Os EUA estão com uma nova política em relação às responsabilidades ambientais e prometem agir. Os europeus estão contentes com a mudança, como declarou Merkel, mas lamentam que os americanos talvez não estejam muito interessados em limitações de emissões rígidas e numericamente definidas. O mundo acompanhará o G8 em Itália.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A ler

O artigo foi escrito por Miguel Sousa Tavares em 29 de Junho de 2009, e vale mesmo a pena ler.

Esta noite sonhei com Mário Lino por Miguel Sousa Tavares in Expresso

Segunda-feira passada, a meio da tarde, faço a A-6, em direcção a Espanha e na companhia de uma amiga estrangeira; quarta-feira de manhã, refaço o mesmo percurso, em sentido inverso, rumo a Lisboa. Tanto para lá como para cá, é uma auto-estrada luxuosa e fantasma. Em contrapartida, numa breve incursão pela estrada nacional, entre Arraiolos e Borba, vamos encontrar um trânsito cerrado, composto esmagadoramente por camiões de mercadorias espanhóis. Vinda de um país onde as auto-estradas estão sempre cheias, ela está espantada com o que vê:

- É sempre assim, esta auto-estrada?

- Assim, como?

- Deserta, magnífica, sem trânsito?

- É, é sempre assim.

- Todos os dias?

- Todos, menos ao domingo, que sempre tem mais gente.


- Mas, se não há trânsito, porque a fizeram?


- Porque havia dinheiro para gastar dos Fundos Europeus, e porque diziam que o desenvolvimento era isto.

- E têm mais auto-estradas destas?

- Várias e ainda temos outras em construção: só de Lisboa para o Porto, vamos ficar com três. Entre S. Paulo e o Rio de Janeiro, por exemplo, não há nenhuma: só uns quilómetros à saída de S. Paulo e outros à chegada ao Rio. Nós vamos ter três entre o Porto e Lisboa: é a aposta no automóvel, na poupança de energia, nos acordos de Quioto, etc. - respondi, rindo-me.

- E, já agora, porque é que a auto-estrada está deserta e a estrada nacional está cheia de camiões?

- Porque assim não pagam portagem.

- E porque são quase todos espanhóis?

- Vêm trazer-nos comida.

- Mas vocês não têm agricultura?

- Não: a Europa paga-nos para não ter. E os nossos agricultores dizem que produzir não é rentável.

- Mas para os espanhóis é?

- Pelos vistos...

Ela ficou a pensar um pouco e voltou à carga:

- Mas porque não investem antes no comboio?

- Investimos, mas não resultou.

- Não resultou, como?

- Houve aí uns experts que gastaram uma fortuna a modernizar a linha Lisboa-Porto, com comboios pendulares e tudo, mas não resultou.

- Mas porquê?

- Olha, é assim: a maior parte do tempo, o comboio não 'pendula'; e, quando 'pendula', enjoa de morte. Não há sinal de telemóvel nem Internet, não há restaurante, há apenas um bar infecto e, de facto, o único sinal de 'modernidade' foi proibirem de fumar em qualquer espaço do comboio. Por isso, as pessoas preferem ir de carro e a companhia ferroviária do Estado perde centenas de milhões todos os anos.

- E gastaram nisso uma fortuna?

- Gastámos. E a única coisa que se conseguiu foi tirar 25 minutos às três horas e meia que demorava a viagem há cinquenta anos...

- Estás a brincar comigo!

- Não, estou a falar a sério!

- E o que fizeram a esses incompetentes?

- Nada. Ou melhor, agora vão dar-lhes uma nova oportunidade, que é encherem o país de TGV: Porto-Lisboa, Porto-Vigo, Madrid-Lisboa... e ainda há umas ameaças de fazerem outro no Algarve e outro no Centro.

- Mas que tamanho tem Portugal, de cima a baixo?

- Do ponto mais a norte ao ponto mais a sul, 561 km.

Ela ficou a olhar para mim, sem saber se era para acreditar ou não.

- Mas, ao menos, o TGV vai directo de Lisboa ao Porto?

- Não, pára em várias estações: de cima para baixo e se a memória não me falha, pára em Aveiro, para os compensar por não arrancarmos já com o TGV deles para Salamanca; depois, pára em Coimbra para não ofender o prof. Vital Moreira, que é muito importante lá; a seguir, pára numa aldeia chamada Ota, para os compensar por não terem feito lá o novo aeroporto de Lisboa; depois, pára em Alcochete, a sul de Lisboa, onde ficará o futuro aeroporto; e, finalmente, pára em Lisboa, em duas estações.

- Como: então o TGV vem do Norte, ultrapassa Lisboa pelo sul, e depois volta para trás e entra em Lisboa?

- Isso mesmo.

- E como entra em Lisboa?

- Por uma nova ponte que vão fazer.

- Uma ponte ferroviária?

- E rodoviária também: vai trazer mais uns vinte ou trinta mil carros todos os dias para Lisboa.

- Mas isso é o caos, Lisboa já está congestionada de carros!

- Pois é.

- E, então?

- Então, nada. São os especialistas que decidiram assim.

Ela ficou pensativa outra vez. Manifestamente, o assunto estava a fasciná-la.

- E, desculpa lá, esse TGV para Madrid vai ter passageiros? Se a auto-estrada está deserta...

- Não, não vai ter.

- Não vai? Então, vai ser uma ruína!

- Não, é preciso distinguir: para as empresas que o vão construir e para os bancos que o vão capitalizar, vai ser um negócio fantástico! A exploração é que vai ser uma ruína - aliás, já admitida pelo Governo - porque, de facto, nem os especialistas conseguem encontrar passageiros que cheguem para o justificar.

- E quem paga os prejuízos da exploração: as empresas construtoras?

- Naaaão! Quem paga são os contribuintes! Aqui a regra é essa!

- E vocês não despedem o Governo?

- Talvez, mas não serve de muito: quem assinou os acordos para o TGV com Espanha foi a oposição, quando era governo...

- Que país o vosso! Mas qual é o argumento dos governos para fazerem um TGV que já sabem que vai perder dinheiro?

- Dizem que não podemos ficar fora da Rede Europeia de Alta Velocidade.

- O que é isso? Ir em TGV de Lisboa a Helsínquia?

- A Helsínquia, não, porque os países escandinavos não têm TGV.

- Como? Então, os países mais evoluídos da Europa não têm TGV e vocês têm de ter?

- É, dizem que assim entramos mais depressa na modernidade.

Fizemos mais uns quilómetros de deserto rodoviário de luxo, até que ela pareceu lembrar-se de qualquer coisa que tinha ficado para trás:

- E esse novo aeroporto de que falaste, é o quê?

- O novo aeroporto internacional de Lisboa, do lado de lá do rio e a uns 50 quilómetros de Lisboa.
- Mas vocês vão fechar este aeroporto que é um luxo, quase no centro da cidade, e fazer um novo?


- É isso mesmo. Dizem que este está saturado.

- Não me pareceu nada...

- Porque não está: cada vez tem menos voos e só este ano a TAP vai cancelar cerca de 20.000. O que está a crescer são os voos das low-cost, que, aliás, estão a liquidar a TAP.

- Mas, então, porque não fazem como se faz em todo o lado, que é deixar as companhias de linha no aeroporto principal e chutar as low-cost para um pequeno aeroporto de periferia? Não têm nenhum disponível?

- Temos vários. Mas os especialistas dizem que o novo aeroporto vai ser um hub ibérico, fazendo a trasfega de todos os voos da América do Sul para a Europa: um sucesso garantido.

- E tu acreditas nisso?

- Eu acredito em tudo e não acredito em nada. Olha ali ao fundo: sabes o que é aquilo?

- Um lago enorme! Extraordinário!


- Não: é a barragem de Alqueva, a maior da Europa.

- Ena! Deve produzir energia para meio país!

- Praticamente zero.

- A sério? Mas, ao menos, não vos faltará água para beber!

- A água não é potável: já vem contaminada de Espanha.

- Já não sei se estás a gozar comigo ou não, mas, se não serve para beber, serve para regar - ou nem isso?

- Servir, serve, mas vai demorar vinte ou mais anos até instalarem o perímetro de rega, porque, como te disse, aqui acredita-se que a agricultura não tem futuro: antes, porque não havia água; agora, porque há água a mais.

- Estás a dizer-me que fizeram a maior barragem da Europa e não serve para nada?

- Vai servir para regar campos de golfe e urbanizações turísticas, que é o que nós fazemos mais e melhor.

Apesar do sol de frente, impiedoso, ela tirou os óculos escuros e virou-se para me olhar bem de frente:

- Desculpa lá a última pergunta: vocês são doidos ou são ricos?

- Antes, éramos só doidos e fizemos algumas coisas notáveis por esse mundo fora; depois, disseram-nos que afinal éramos ricos e desatámos a fazer todas as asneiras possíveis cá dentro; em breve, voltaremos a ser pobres e enlouqueceremos de vez.

Ela voltou a colocar os óculos de sol e a recostar-se para trás no assento. E suspirou:

- Bem, uma coisa posso dizer: há poucos países tão agradáveis para viajar como Portugal! Olha-me só para esta auto-estrada sem ninguém!

Individualismo – entre agência e contingência II

A rejeição do individualismo (neo)liberal não implica a rejeição do princípio individualista – até porque as alternativas que se lhe conhecem (o primado da raça, da nação, da classe, etc.) são tudo menos prometedoras. Implica, sim, a sua reformulação, para que possa abarcar a complexidade das relações entre indivíduo e sociedade.

O cerne da questão reside na autonomia do social, não redutível à soma dos indivíduos e das suas escolhas. E esse corpo autónomo que é a sociedade, governado por dinâmicas próprias, afecta os destinos individuais, colocando limites ao livre-arbítrio. Porém, afecta-os, e logo desde o início, de forma desigual – há quem seja favorecido e quem seja prejudicado pela circunstância social em que a sorte (ou o azar) ditou que nascesse. Aqui, como é evidente, não tem cabimento apelar para qualquer noção de mérito. Ninguém tem o mérito de ter nascido numa família rica ou o demérito de ter nascido num meio pobre. Assim sendo, qual é o grau de desigualdade à partida aceitável? Por outras palavras, quais são os princípios da justiça social? A meu ver, a resposta mais satisfatória a esta questão foi dada por John Rawls, na sua incontornável “Theory of Justice”.

O que Rawls propõe para chegarmos aos princípios da justiça social é uma experiência intelectual, uma situação hipotética. Imaginemos que os indivíduos que compõem uma dada sociedade se reúnem para estabelecer os princípios de justiça que deviam subjazer às principais instituições sociais (sistema político, organização económica, etc.). Assumindo a racionalidade, em sentido estrito, dos indivíduos, seria de esperar que cada um escolhesse os princípios que mais favorecessem a sua posição social. Ora, acontece que, na posição original proposta por Rawls, ninguém sabe o lugar que ocupa na sociedade, em termos de classe ou status, nem os recursos com que a natureza o dotou (inteligência, força, etc.). Assume-se mesmo que os indivíduos não conhecem as suas concepções do bem e as suas propensões psicológicas. A escolha faz-se, pois, sob um véu de ignorância.

Segundo Rawls, «this ensures that no one is advantaged or disadvantaged in the choice of principles by the outcome of natural chance or the contingency of social circumstances. Since all are similarly situated and no one is able to design principles to favor his particular condition, the principles of justice are the result of a fair agreement or bargain.» Desta forma, elimina-se o peso das condições particulares sobre a decisão, assegurando a universalidade dos princípios escolhidos.

Quais são, então, os princípios que os indivíduos colocados na posição original sob o véu de ignorância escolheriam? Rawls acredita serem dois:
«First: each person is to have an equal right to the most extensive basic liberty compatible with a similar liberty for others.
Second: social and economic inequalities are to be arranged so that they are both (a) reasonably expected to be to everyone’s advantage, and (b) attached to positions and offices open to all.»

O primeiro princípio não é mais do que a clássica defesa das liberdades formais individuais. A grande inovação do pensamento de Rawls reside no segundo, na ideia de que é possível e necessário avaliar a justiça das desigualdades materiais efectivas. Os conceitos indeterminados do segundo princípio (o que significa «everyone’s advantage»?) mereceriam uma análise mais profunda. Mas, o que me importa sublinhar aqui é que os horizontes do individualismo não se esgotam num pensamento solipsista que endeusa a agência individual e ignora ou desvaloriza a contingência social. O individualismo de John Rawls funda-se numa síntese bem mais frutuosa entre agência e contingência, permitindo-nos, sem abdicar da perspectiva individualista, conceber uma justiça social.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Democracia

"It's not the voting that's democracy, it's the counting. "
Tom Stoppard

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Irão - a saga continua

A oposição a Ahmadinejad continua relativamente firme, apesar de algumas semanas terem já passado desde as polémicas eleições de 12 de Junho – intransigentes continua o Governo e o Conselho dos Guardiães, que não abrem mão do resultado, assim como Mousavi e a sua claque também não abrem mão dos protestos e insistem em chamar a atenção da comunidade internacional, apesar das tentativas do governo de controlar a situação – censura, proibição de entrada de meios de comunicação estrangeiros, repressões violentas e, mais recentemente, a acusação de ingerência das potências ocidentais neste assunto interno do Irão.


Efectivamente, Neda tornou-se um símbolo: um símbolo que a oposição usa para incarnar a sua luta contra a alegada injusta eleição do já Presidente iraniano, mas, simultaneamente, a jovem estudante de Filosofia (cuja idade varia entre os 16 e os 27 anos, como diferem as fontes) tornou-se no exemplo que as autoridades oficiais agora usam para comprovar a presença de forças estrangeiras no país: Ahmadinejad exige que se apurem responsabilidades, testemunhas (hesitei em pôr o termo entre aspas, mas ficam aqui as minhas reticências) garantem que não havia forças policiais no local do crime, supostos relatórios explicam que as balas não são as usadas pela polícia iraniana,… Ou seja, quer isto dizer que alguém de fora esteve implicado: a CIA aparece em primeiro lugar; a Grã-Bretanha vem em segundo. O Embaixador do Irão no México acusa a CIA de estar envolvida e Ahmadinejad garante:
"The massive propaganda of the foreign media, as well as other evidence, proves the interference of the enemies of the Iranian nation who want to take political advantage and darken the pure face of the Islamic republic”

As tensões diplomáticas vão crescendo no entretanto. Elementos da Embaixada inglesa no Irão são detidos, porque acusados de envolvimentos nos distúrbios, e Brown não se conforma com tal exagero iraniano, que considera inaceitável e injustificável, como o próprio adjectiva.

As razões apresentadas pelo ministro iraniano Gholam-Hosein Mohseni Ejei são, no mínimo, discutíveis: “The fact that Iran is stable, calm and secure, they're upset with this,". O facto é que os europeus, cuja “total solidariedade” foi reconhecida pelo Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, olham com desconfiança para a política ofensiva de Teerão. Este desapontamento de que falam vários Ministros dos Negócios Estrangeiros (MNE) culminou, muito recentemente, com o fim das conversações que a UE desenvolvia com o Irão para que este abandonasse as suas pretensões nucleares há já alguns anos, por imposição deste último. Ahmadinejad soube, de forma magistral, utilizar esta desconfiança de ingerência para terminar com estas incómodas conversações que queriam limitar as suas actividades nucleares (mesmo apesar da inflexibilidade que o Irão tinha vindo a mostrar).

Agora, os MNE da UE ponderam a retirada dos seus representantes diplomáticos do país. Custa-me a crer que tal venha a concretizar-se, mas a verdade é que, usando esta situação a seu favor, Ahmadinejad está a conseguir consolidar o seu poder e a vincar a sua posição no contexto internacional, mesmo que optando por esta escalada da tensão diplomática e pelo isolacionismo. Aguardemos.

domingo, 28 de junho de 2009

Hum...



...se se quiser alistar, óptimo para si. Mas ultimamente não temos usado muito os nossos equipamentos. Sabe que na Finlândia o nível de vida é elevado. O exército é uma mera opção de vida, não uma escapatória ou obrigação. Mas olhe, é bom para a comunidade. Nós aqui valorizamos o bem comum. Nunca falta quem se inscreva. Eu até acho demasiado. Mas há dinheiro para tudo, graças a ... nós!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Prioridades para a União Europeia

Face à actual conjuntura de crise, quais as soluções apontadas pelos Estados-membros da União Europeia? Conseguirá a Europa reagir a uma só voz? E como justificar a inexistência de uma política energética comum?

Estas e outras questões dominaram a conferência "Prioridades Europeias - da Crise Económica à Crise Energética", organizada em parceria pelo Público e The European Strategy Forum (ESF), que se realizou no passado dia 24 em Lisboa, e que teve como principais oradores Peter Ludlow, dirigente do ESF, e Jorge Vasconcelos, presidente da Newes, cujas intervenções podem ser vistas aqui.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Individualismo – entre agência e contingência

(Nestes primeiros tempos do nosso blogue, o Diogo Lourenço, aliás Lourencinho, tem sido o comentador mais activo. Na discussão que tive com o Diogo, a propósito das eleições europeias, tornou-se claro que nos separavam concepções antagónicas do homem e da sociedade. E porque não é necessário partir do acessório para discutir o essencial dessas diferenças, aqui fica um post a refutar a noção (neo)liberal de individualismo que tem uma afirmação do Diogo como ponto de partida.)

Demorámos séculos a ultrapassar a ideia de que o ser humano não é apenas um joguete ao serviço da transcendência. Lamento que tenhamos de passar outros tantos até percebermos que o indivíduo é um fim em si mesmo e não um joguete ao serviço da comunidade, dos outros ou da sociedade.
(Lourencinho, aqui )

A afirmação acima transcrita, à primeira vista, parece inatacável. Da mesma forma que todos nós – ou quase todos – rejeitamos a ideia de que o indivíduo está ao serviço de uma qualquer transcendência, deveríamos rejeitar também a sua sujeição a quaisquer interesses supostamente superiores da comunidade ou sociedade. Todavia, creio, está nela implícita uma analogia falaciosa entre transcendência e sociedade. É que, enquanto a transcendência, por definição, é algo que ultrapassa a experiência humana, a sociedade é algo que faz parte dessa mesma experiência – tem, por assim dizer, uma existência fáctica ou fenomenológica.

O problema da libertação do indivíduo do jugo da transcendência é, pois, substancialmente diferente daquele que está em causa na relação entre indivíduo e sociedade. E isto é algo que o pensamento individualista (neo)liberal se tem esforçado por ignorar, ao sustentar a perspectiva atomista de que a sociedade não é mais do que o agregado das escolhas individuais. Para tal, serviu-se de uma construção teórica (o mercado) – em torno da qual se desenvolveu uma disciplina científica (a economia) – que resolve o problema da sociedade negando a existência autónoma desta. Do livre confronto dos desejos dos indivíduos no mercado resultaria espontaneamente o bem comum da sociedade. Ora, estes indivíduos que a ciência económica considera não são seres concretos, imersos num determinado contexto social ou cultural – são abstracções colocadas numa situação hipotética de igualdade formal, fazendo tábua rasa de relações de poder pré-existentes. Na realidade, contudo, os desejos individuais são co-determinados a priori, antes de se manifestarem no mercado, tanto pelas desigualdades naturais entre os seres humanos (inevitáveis), como pela forma de organização social prevalecente.

Este individualismo (neo)liberal, que tem o seu corolário no individualismo metodológico da economia (neo)clássica, funda-se, portanto, na ilusão da ausência de contingência, na ideia absurda de que a agência humana individual actua no vazio. Significa isto que devemos abdicar do princípio individualista? Não necessariamente. Há é que conceber um individualismo que encontre o equilíbrio entre agência e contingência – e esse não é certamente o dos (neo)liberais.

Espero voltar a este tema na próxima semana.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Globe Game

Neste dia de S. João deixo-vos uma sugestão mais ligeira, mas ainda assim de grande utilidade na aprendizagem da geografia mundial.
Se ainda confundem os Congos ou não distinguem a bandeira do Sri Lanka da da Birmânia, este é o jogo ideal!

Aqui fica o site:

www.friv.com (o globe game é 0 13º quadradinho na 7ª fila)

De referir que o jogo poderá tornar-se viciante...

Divirtam-se e bom resto de S. João!

O Irão e a sua lista

O Médio Oriente continua a ser o centro de gravidade das atenções internacionais. Resultado de um longo processo imperialista que ainda hoje mostra as suas marcas, esta região do mundo volta a incarnar alguma tensão entre o Ocidente e o Oriente.

O Irão continua tumultuoso. Os manifestantes, mesmo com as ameaças de “consequências” que o líder espiritual fez nos últimos dias ao declarar as demonstrações ilegais e ao recusar-se a novas eleições, continuam com vigor a mostrar o seu descontentamento. A novidade noticiada pela CNN é a participação de clérigos, os mullahs, nestas demonstrações:

É um claro sinal de desafio à autoridade do Ayatollah iraniano e um abanão à aparentemente sólida teocracia do Médio Oriente. Imutável parece continuar a posição dos líderes do país, que iniciaram recentemente uma guerra diplomática com o Ocidente, com contornos de diversão, pelo que me parece.

O Reino Unido viu-se obrigado a expulsar do país dois diplomatas iranianos e a chamar a Londres os seus homólogos de Teerão, depois das acusações de ingerência e incitação à desordem de que Inglaterra foi alvo – aliás, a própria BBC foi apontada como entidade que promoveu estes desacatos. Mais, a CIA foi já incluída nesta lista, o que obrigou, obviamente, a uma crítica de Obama, que considera a referência de “falsa e absurda”.

Com ou sem ligações a este conflito, os EUA estão já a pensar em reenviar um embaixador para a Síria, retomando as relações com este país, cortdas há já quatro anos aquando da morte do antigo Primeiro Ministro libanês, Rafik Ariri. Há quem diga que é uma aproximação inocente, pelo bem da harmonia internacional; há quem os acuse de interesse e de forma de enfraquecer o regime iraniano, através de uma aproximação à Síria.

Realmente, esta é mais uma questão que nos impede de ser maniqueísta – Irão e Estados Unidos, cada um puxa a brasa à sua sardinha: e viva o S. João!