Não há, na comunidade internacional, ao contrário do que possa supor o senso comum, uma definição clara do conceito de terrorismo. Se uns teóricos o entendem pelos seus efeitos, outros há que enfatizam os métodos, ou ainda as intenções ou o contexto que subjazem aos actos terroristas. Todavia, há uma série de traços característicos que, pedagogicamente, facilitam a definição ou delimitação – nunca com unanimidade – o que é e o que não é terrorismo. Não pretendo trazer esta discussão académica para aqui. Pretendo, isso sim, destacar uma face menos visível deste fenómeno global, mais do que internacional – não podemos esquecer-nos que a Al-Qaeda não é um Estado, mas uma organização.
O terrorismo é, lato sensu, um método, uma forma de actuar, que, na maior parte das vezes, não tem uma representação popular assim tão significativa. Causando mortes com uma intenção mais psicológica que estratégica, o terrorismo baseia-se, apoia-se, estrutura-se numa dicotomia identitária, que explora e perverte: é esta a tese que pretendo defender de forma sucinta neste artigo – a identidade como núcleo das questões terroristas; é o “nós” e o “outros”, é a centralidade da nossa cultura, de todas as nossas práticas religiosas e político-ideológicas e de todos os nossos padrões que choca, numa incapacidade de aceitação e compreensão, com padrões distintos, que os nossos esquemas mentais não conseguem acondicionar pacificamente.
Num interessante artigo de John Crowley, podemos ler que as questões identitárias estão tanto nas nossas cabeças como nas interacções sociais – a mente e a prática social fundem-se num esquema que define e delimita os grupos. A constituição e a manutenção dessas identidades colectivas originam o conflito, porque é na oposição que nos definimos a nós mesmos. Só com a ameaça francesa, Bismarck conseguiu congregar grande parte dos territórios que constituiriam a Alemanha no final da guerra franco-prussiana do século XIX. A identidade alemã consolidou-se com a ameaça francesa e só assim foi possível a unificação.
“O uso da força (…) é efectivamente o meio privilegiado de marcar as fronteiras sociais; na sua ausência, as identidades arriscam-se sempre a tornarem-se vagas. O apartheid sul-africano marcou o limite absurdo desta lógica.”(Crowley, 2000: 60)
Efectivamente, são estas as oposições que legitimam as acções mais cruéis, na tentativa de angariar para o seu grupo identitário a superioridade pretendida – aquilo que em Relações Internacionais se conhece como o “dilema de segurança”, ou seja: eu tento garantir a segurança desejada para o meu grupo atacando os demais para atingir a supremacia necessária à inviabilização de qualquer tentativa dos outros de me derrotarem.
“a crença de que só monopolizando eu próprio o poder, poderei garantir que ninguém abuse dele à minha custa.” (Crowley, 2000: 60)
Este mesmo autor identifica como “ilusão identitária” esta situação em que os indivíduos consideram que as crenças e outras características da sua identidade são em si mesmas as chaves de interpretação válidas para todas as situações. Para a Al-Qaeda, os “ocidentais infiéis”, sejam eles quem forem, fazem tanto parte do problema como da solução; o e mesmo para outros grupos, como os Tigre Tamil do Sri Lanka, por exemplo, onde as construções históricas se concretizam, tornando-se realidade para eles. No caso dos terrorismos separatistas (caso flagrante da ETA no País Basco), esta oposição e obsessão pela pertença a grupos identitários concretizam-se na vontade de delimitação física, geográfica e política entre o “nós” e a ameaça dos “outros”.
Não é minha intenção menosprezar a pertença a grupos, nem tampouco a construção da identidade individual no seio desses mesmos grupos e com base na oposição àquilo que nos é estranho; é, isso sim, alertar para a complexidade do fenómeno do terrorismo e para uma das suas vertentes, que é a incorporação de tal forma profunda e radical, que, mais do que ver no outro a diferença, vê no outro uma ameaça à sua posição, à sobrevivência da sua perspectiva.
O “Ocidente” é muito culpado, com as suas tentativas culturais (e outras) hegemónicas de um mundo perfeito e desejável para todos, pronto e embalado para exportar. Contudo, o fundamental é o reconhecimento da relatividade cultural, do valor na diferença, do respeito pelo estranho. O desafio das democracias, consideradas abertas e receptivas, está nisso mesmo: em conciliar identidades, através do diálogo e da aceitação, num mosaico colorido que é o nosso mundo.
“O uso da força (…) é efectivamente o meio privilegiado de marcar as fronteiras sociais; na sua ausência, as identidades arriscam-se sempre a tornarem-se vagas. O apartheid sul-africano marcou o limite absurdo desta lógica.”(Crowley, 2000: 60)
Efectivamente, são estas as oposições que legitimam as acções mais cruéis, na tentativa de angariar para o seu grupo identitário a superioridade pretendida – aquilo que em Relações Internacionais se conhece como o “dilema de segurança”, ou seja: eu tento garantir a segurança desejada para o meu grupo atacando os demais para atingir a supremacia necessária à inviabilização de qualquer tentativa dos outros de me derrotarem.
“a crença de que só monopolizando eu próprio o poder, poderei garantir que ninguém abuse dele à minha custa.” (Crowley, 2000: 60)
Este mesmo autor identifica como “ilusão identitária” esta situação em que os indivíduos consideram que as crenças e outras características da sua identidade são em si mesmas as chaves de interpretação válidas para todas as situações. Para a Al-Qaeda, os “ocidentais infiéis”, sejam eles quem forem, fazem tanto parte do problema como da solução; o e mesmo para outros grupos, como os Tigre Tamil do Sri Lanka, por exemplo, onde as construções históricas se concretizam, tornando-se realidade para eles. No caso dos terrorismos separatistas (caso flagrante da ETA no País Basco), esta oposição e obsessão pela pertença a grupos identitários concretizam-se na vontade de delimitação física, geográfica e política entre o “nós” e a ameaça dos “outros”.
Não é minha intenção menosprezar a pertença a grupos, nem tampouco a construção da identidade individual no seio desses mesmos grupos e com base na oposição àquilo que nos é estranho; é, isso sim, alertar para a complexidade do fenómeno do terrorismo e para uma das suas vertentes, que é a incorporação de tal forma profunda e radical, que, mais do que ver no outro a diferença, vê no outro uma ameaça à sua posição, à sobrevivência da sua perspectiva.
O “Ocidente” é muito culpado, com as suas tentativas culturais (e outras) hegemónicas de um mundo perfeito e desejável para todos, pronto e embalado para exportar. Contudo, o fundamental é o reconhecimento da relatividade cultural, do valor na diferença, do respeito pelo estranho. O desafio das democracias, consideradas abertas e receptivas, está nisso mesmo: em conciliar identidades, através do diálogo e da aceitação, num mosaico colorido que é o nosso mundo.
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